segunda-feira, 20 de março de 2017

KARDECISMO: INFERNO OU PURGATÓRIO?

KARDECISMO: INFERNO OU PURGATÓRIO?

Um dos pontos de discussão no debate entre cristãos e espíritas diz respeito aos juízos de Deus. A condenação ao inferno para o kardecista é inaceitável. Há alguns dias eu vi um deles dizer: "uma pessoa peca por 10 minutos e passa a eternidade no inferno? Que Deus misericordioso é esse?" O problema não é apenas o amontoado de falácias, mas a cosmovisão. 


Em primeiro lugar, quem conhece o padrão bíblico sabe que todo homem tem uma vida inteira de pecado e rebeldia; a rebeldia é sua atitude apriorística e mesmo suas boas obras são farisaicas, impuras de segundas e terceiras intenções. 

Em segundo lugar, a duração de um pecado nada diz respeito à gravidade do ato. Isso decorre da rejeição da doutrina cristã do Pecado Original. O kardecismo ressuscita a heresia pelagiana. 

Em terceiro lugar, o deus kardecista está mais próximo do deus dos gregos do que do Deus bíblico. O kardecista não compreende um Deus capaz de irar-se, de exigir punição. O deus kardecista, por demais humanista, é pura compaixão. Eles beiram a antinomia.

Em quarto lugar, o kardecismo defende uma visão do problema do homem influenciada pelos motivos religiosos básicos gregos, filtrados na modernidade - confusão que sem dúvidas retornou ao Ocidente com o Escolasticismo. Para seus adeptos, o problema do homem é sobretudo intelectual, racional, e moral como consequência disso. Na medida em que o homem "evolui", ele cresce em racionalidade e tornar-se-á naturalmente bom e perfeito (alcançando até mesmo o status de Cristo em encarnações futuras). A Bíblia porém, diz que Deus deu ao homem uma lei escrita no coração e que o homem rejeita-a deliberadamente, ocasionalmente inventando para si falsos padrões morais a fim de sentir-se livre de certas obrigações. O problema do homem, do ponto de vista cristão, é moral, não racional.  

Em quinto lugar, pressupondo a evolução, ele não acredita na punição eterna como execução da justiça. Para ele, o que entende-se como "justiça" é instrumento regenerador e educador. Assim sendo, o inferno é substituído por estadias em "umbrais" (lugares espirituais de sofrimento) e pelo karma, a ser expiado nas próximas encarnações. A Escritura, porém, discerne disciplina e justiça. Cristo disciplina aqueles que Ele ama. Aqueles que rejeitam-no, porém, serão condenados. Não coincidentemente, os kardecistas apoiam-se na doutrina romanista do purgatório como uma evidência da historicidade de sua crença. Esse problema gira em torno do absoluto desprezo deles pela natureza do Evangelho, substituído por seu pseudo-evangelho pelagiano. O homem deve salvar-se a si mesmo pela "evolução espiritual" e pelas boas obras, sem a qual, como diz seu lema, "não há salvação". Assim, o kardecista acredita na necessidade do fardo insuportável de reencarnar milhares de vezes antes de finalmente obter descanso glorioso - por méritos próprios. O kardecismo mescla o evolucionismo darwinista e a evolução espiritual na intenção de "naturalizar o sobrenatural", o que talvez tenha sido uma tentativa de Allan Kardec para tornar a religião e o espírito aceitável para a mentalidade positivista e folclórica que os homens do séc. XIX criaram em torno da onipotência da ciência.

A partir desse ponto podemos perceber que kardecistas e cristãos têm diferentes visões do que cremos em Deus ser justiça e compaixão. Para o kardecista, Deus não é justo se condenar eternamente, mas se obrigar o homem a encarnar milhares de vezes e pagar cada pecado, cada palavra dita erroneamente, cada pensamento fora do lugar, cada escolha equivocada, milhares e milhares de vezes. Isso é o que eles acreditam ser a misericórdia divina. Para nós, entretanto, Deus é misericordioso por perdoar verdadeiramente os pecados daqueles que recebem o sacrifício de seu Filho na cruz. Ora, o cristão é justificado diante de Deus e feito justo através da justiça de Cristo. Esse é o Evangelho pregado por Paulo, no qual somos salvos pela fé, não pelas obras [Ef 2:9]. Deus foi misericordioso porque veio ao mundo morrer para pagar pela punição por nós merecida e que verdadeiramente nos perdoou e nos requereu pra si por toda eternidade. O Deus cristão, portanto, é verdadeiramente misericordioso e amoroso, muito mais do que o deus kardecista, que exige a expiação estrita de cada indivíduo. Deus expiou em si mesmo o nosso pecado; o deus kardecista não expia os erros de ninguém, nem salva ninguém. É o próprio indivíduo que salva-se a si mesmo. Cristo não é um salvador para o espiritismo, mas apenas um exemplo moral, um professor. Essa visão de Cristo, inclusive, não é nada além daquela do liberalismo teológico e ela não é acidental, pois Allan Kardec foi discípulo de Johan Pestalozzi, um suíço adepto da teologia liberal, de quem aprendeu tais heterodoxias.

Para alguns kardecistas, o Evangelho genuíno é inaceitável, porque Deus perdoa quem não merece perdão. Paulo disse que o Evangelho é "loucura para os gregos" [1 Cor 1:23]. Eles não entendem que é exatamente por isso que Deus é misericordioso e gracioso para conosco. O kardecista desconhece completamente o conceito de Graça Divina. O kardecista tem muitas opções para povoar a imaginação com suposta historicidade de suas crenças, porque quase todas as religiões seguem a mesma linha de raciocínio quando o assunto é justificação pelas obras; o cristianismo é a  religião mais singular do mundo - e por isso a única verdadeira. Nós podemos dizer que Cristo é nosso Salvador; eles não. Eles precisam torcer os termos bíblicos para que se adequem forçosamente em sua própria cosmovisão. Para o kardecismo, o Evangelho é loucura. Mal sabem eles que é exatamente assim que os réprobos vêem as boas novas pregadas por aquele homem de Nazaré.

Em sexto e último lugar, os conceitos modernos e vagos de amor e compaixão conduzem o kardecista a outra heresia, o universalismo. Os kardecistas acreditam que Deus não pode ser verdadeiramente compassivo caso uma única alma não seja salva. Essa talvez seja uma das questões mais difíceis pra eles em um primeiro momento. Eles não sabem que Paulo discute essa questão em sua Carta aos Romanos. Eles preferem negar as palavras do próprio Cristo e de seus discípulos e, julgando-se mais sábios que os apóstolos, creem entender melhor a mensagem de Cristo do que os oráculos eleitos pelo próprio Cristo. Allan Kardec, nascido 1.800 anos depois de Cristo, com conhecimento questionável das línguas originais, nunca tendo visto Cristo pessoalmente e com a mente infectada de positivismo, julgava-se mais sábio do que os apóstolos? 

Os seguidores de Kardec manifestam assim quase a mesma revolta metafísica típica da espiritualidade moderna. Ele levanta-se contra a ortodoxia cristã. Julgando-se mais racional do que o cristianismo - ironicamente desprezando  cerca de 2.000 anos de tradição filosófica cristã-, eles rejeitam "dogmas", como se sua visão não fosse dogmática. As palavras de Cristo e Paulo não são suficientes. A "Palavra de Deus" não é autoridade; sua "razão" é. Não entendem o que é a Razão divina, não fazem ideia do que é uma discussão epistemológica, das críticas ao conhecimento científico ou das exigências de uma hermenêutica bíblica. Sua hermenêutica é basicamente liberal, sem fundamento histórico - mas eles provavelmente não sabem disso. Deus não faz nenhuma injustiça: Ele é Amor, mas também é Justiça. Ao salvar os pecadores pela fé, Ele age graciosamente; ao condenar os que não recebem o sacrifício de seu Filho, Ele age com justiça, de forma que ninguém recebe o que é injusto. O homem peca por escolha, não por falta de evolução. Ora, é mais misericordioso o deus da evolução espiritual que cria deliberadamente os seres ignorantes para que errem presumivelmente e devorem-se uns aos outros, matem-se uns aos outros, por incontáveis encarnações, nascendo, adoecendo, sofrendo, morrendo, vendo a injustiça contra os próximos centenas de milhares de vezes?

Tais confusões têm arrastado milhões para o engodo e para heresias que o cristianismo combateu no passado. Como diz a Escritura, "não há nada novo debaixo do sol". [Eclesiastes 1:9]

*** Por Antonio Vitor.

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